Compaixão
Domingo passado a liturgia tinha como chave de leitura a fé, e
apresentava um oficial romano como exemplo de fé humilde, orante, cheia de amor
para com as pessoas; um verdadeiro paradigma, hoje, para os pagãos batizados
que somos um pouco todos nós. A chave da leitura orante deste domingo é a
palavra COMPAIXÂO =sentir com todo o afeto, sentir dentro, ter paixão por...
Lucas nos mostra Jesus cheio de carinho e ternura para com uma pobre viúva.
Belíssimo aquele “não chore”! (v.13) Você
conseguiria descrever o tom de voz de Jesus? Não creio! A compaixão é hoje
extremamente necessária neste mundo muitas vezes “desalmado”, “frio”, onde o
dinheiro subverte todos os valores e a pessoa conta muito pouco e são muitos os
que ficam indiferentes diante do sofrimento humano. Um convite para nós
cristãos a sermos homens e mulheres de compaixão. Isto implica em “parar”, dar
atenção, sofrer com a pessoa, sentir a sua dor. Vamos descobrir que,
surpreendentemente, os primeiros a “levantar-se” seremos exatamente nós!
O Evangelho de Lucas 7, 11-17
“Com Ele iam seus discípulos e uma
grande multidão. Quando chegou à porta da cidade eis que levavam um defunto,
filho único; e sua mãe era viúva. Grande multidão da cidade a acompanhava” (v. 11-12).
A
cidade é Naim situada na Galileia, nos arredores do monte Tabor. Podemos
imaginar o encontro destas duas multidões: uma entra na cidade com Jesus que é
a Vida, a outra sai da cidade, com o choro e a morte no coração. O morto era o
filho único de uma viúva e era, para ela, a sua única segurança, pois, com
certeza, a morte do filho era também a morte social e econômica para ela. É
fácil comparar esta viúva com aquela da primeira leitura de 1 Reis 17, 17-24. Na teologia de Lucas fica
evidente que Jesus é o novo Elias (Cfr. 9,8)
e que Deus continua ainda o protetor das viúvas e dos órfãos. (Salmo 68,6).
“Ao vê-la, o Senhor sentiu compaixão para com ela e lhe disse: Não
chore!” (v. 13)
A
palavra compaixão traduz um verbo grego que lembra um sentimento profundo de
misericórdia e ternura que atinge o profundo do coração. É uma característica
de Deus, seja no AT como no NT: é o amor entranhado de Deus. Esta
palavra no texto de Zacarias (Lc. 1,78) é
descrita como bondade misericordiosa e é muito querida pelo mesmo Lucas que
várias vezes realça a misericórdia e compaixão como, por exemplo, em 10, 33,(o Samaritano) e 15,20
(o Pai Pródigo de amor). O coração de carne de Jesus explode aqui em amor puro
de paixão pela pessoa sofrida.
“Aproximou-se, tocou o caixão, e os que o carregavam pararam. Então,
Jesus disse ‘Jovem eu te ordeno, levanta-te” (v.
14).
O toque da mão de Jesus,
mais a sua Palavra, formam o poder de Jesus que ordena: “levanta-te”. Este é um dos dois verbos usados nos Evangelhos para
indicar a ressurreição. Poder-se-ia traduzir com: “seja ressuscitado”, ou “olha
você ressuscitou!”.
“E o entregou
à sua mãe” (v. 15)
Um detalhe: Lucas usa a
mesma frase que a 1 Reis 17,23 usa no relato
da ressurreição feita por Elias do filho da viúva de Sarepta. A multidão que
grita “um
grande profeta apareceu entre nós” (v.16)
confirma este paralelismo. As duas multidões unem-se para louvar a Deus por
causa de Jesus. Claramente esta ressurreição é prenúncio daquela de Jesus e, a
viúva, é figura de Israel que encontra sua esperança no Messias.
O texto ilumina a vida
O Evangelho ilumina
nossa vida de discípulos missionários\as de Cristo deste século XXI com duas mensagens.
v
A misericórdia e compaixão, como
conduta de vida: “Não chore” (v.13)
v A
esperança da ressurreição, para este mundo e na vida futura: “Levanta-te”. (v.14)
“Não chore”
A
primeira mensagem nos diz como devemos viver no dia-dia esta luta para
gerar vida e esperança no mundo. Precisamos nos aproximar das pessoas de várias
formas, mas sempre com o jeito de Cristo: a compaixão.
a) A nível pessoal,
podemos perceber como cada pessoa tem sua pobreza pessoal que carrega no
coração, para ser consolada, acolhida, aliviada e sempre podemos dizer a alguém
o que disse Jesus “não chore”; b) comunitariamente, também com o mesmo
amor de Jesus podemos sempre participar dos grupos que vivem a solidariedade cristã,
como voluntários\as, como missionários\as, como agentes de pastorais que
constroem vida; c) socialmente, como
cristãos \ãs que somos pelo Batismo
somos chamados a transformar a sociedade a começar da política, economia a todos os
segmentos da vida em geral. Quem ama é criativo e nunca cruza os braços diante
de tantas situações difíceis. Urge então, hoje, ser compassivos e
misericordiosos como Jesus, de forma moderna, para com o mundo que vive sedento
e é carente de amor e acolhida. Existe hoje, segundo o autor espanhol Jon
Sobrino que vive há muitos anos em El Salvador, o sono da inumanidade, ou seja,
uma ausência de humanidade, de compaixão que paira sobre a sociedade
capitalista e neo - liberal que absolutiza o econômico relativizando a pessoa
humana. Ele convida a globalizar a compaixão!
“Levanta-te”
A segunda
mensagem é aquela da ressurreição. Falamos de ressurreição, mas, melhor seria
chamá-la nesta passagem do Evangelho de reanimação da vida, pois, estes jovens,
(aquele da primeira leitura e do Evangelho) voltaram a morrer outra vez;
todavia, ela nos dá a abertura para falar de ressurreição, que é vida nova,
vida eterna, esperança, futuro em Deus, que não aliena, mas, ao contrário, nos compromete, pois a fé na ressurreição de Jesus
e nossa (Cfr. 3,22: ver o paralelo do filho unigênito e único do Pai com o
filho único da viúva!) nos faz lutar pela santidade, pela justiça, pela vida em
toda sua extensão e concretude no desejo de saciar todas as fomes de Deus e
contra todas as fomes materiais e todas as mortes.
A vida em oração
Amar
No Evangelho encontramos a mística da compaixão com
alguns verbos bem concretos que mostram a ação amorosa de Jesus: ver, aproximar-se, sentir
compaixão! Cada um deles é como que um “movimento”
interior no coração de Jesus, uma caminhada interior feita de ternura total. Encontramos
em Jesus o resumo de toda a Bíblia: um Deus apaixonado que busca o homem e o
ama. É Paixão inexplicável esta de Deus:
MANIKON EROS como já o diziam os padres da Igreja. Eis, um pequeno roteiro de
amor concreto para esta semana:
Ø abrir nossos olhos para ver as carências da humanidade e
ver os cortejos de morte ao nosso redor: violência, doenças, drogas...
Ø aproximar-se deles com humildade sem orgulhos, pois,
estamos diante de um filho\a de Deus;
Ø sentir, escutar, e aliviar se possível a dor de cada
irmão, sabendo que a escuta, muitas vezes, já é alívio.
Trata-se de levantar
o mundo com a alavanca do amor! De
fato, Jesus restitui vida, esperança, dignidade, seja ao jovem, seja à viúva
que retoma a certeza de ser amparada e assistida e amada. Somos pessoas de
vida, de esperança, de sonhos novos, de lutas pelo Reino, e precisamos dizer,
ainda hoje, a tantas pessoas que precisam estas palavras de esperança: “levanta-te”
(v.14). Isto é possível para todos\as, e,
ainda que existam para tanto, metodologias humanas, a verdadeira “técnica” é
sempre o amor que ressuscita as pessoas e as faz levantar. Eu creio firmemente
que o amor vai vencer um dia o ídolo do lucro que gera todo tipo de pobreza e fico
com firmeza com a “utopia” do Evangelho! Basta
pouco, mas como faz falta este pouco muitas vezes!
Orar
Nosso exemplo máximo
só pode ser o Sagrado Coração de Jesus: um coração de carne, de amor, um
coração social, que ama a todos e privilegia os últimos os pobres, os pequenos
e excluídos. Nesta semana convido a mim e a vocês, a transformar os mesmos
gestos de carinho e amor - como falamos acima - em oração: ver o sofrimento das
pessoas, escutar os lamentos, ir ao encontro, tocar com as mãos, dizer palavras
de esperança, mas, com a mesma ternura do coração de Jesus, acolhendo em nós a
dor da humanidade e aproximar-se dos irmãos e irmãs numa atitude orante. Com
certeza poderemos perceber que amar é a oração mais sublime como dizia uma
velha música: a melhor oração é amar. Isto é COMPAIXÃO
orante amigo\a!
Boa semana para todos\ as. Pe. Mário Guinzoni OSJ
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